domingo, outubro 9

ping ping ping



Está na altura de me dedicar mais às fatias! Disse eu, enquanto o padeiro cortava eróticamente o cacete em fatias. O sangue que dele escorria, pingava frenéticamente no azulejo vidrado do chão estéril da cozinha do restaurante. Enquanto isso, lá fora, o néon reluzia e piscava como quem espera a morte a qualquer momento. Lá dentro, no ventre daquela casa de farinha, o calor era extremo, quase queimava os pulmões de cada vez que se inspirava. A massa branca e mole transformava-se mágicamente no pão nosso de cada dia. O padeiro, cansado da sua vida infeliz, farto de passar a vida a cortar pão, apunhalou-se. O som abafado da lâmina afiada a rasgar as camadas de pele do seu peito foi audível no outro lado da rua. O sangue jorrou como uma fonte pública, jorrou sem que ninguém se importasse, como se todos os dias jorrasse sem apelo nem agravo. Já não conseguia respirar... A perspectiva de morrer afogado no seu próprio sangue dava-lhe uma certa satisfação. A satisfação de morrer por si e apenas consigo, sozinho... Sem que ninguém olhasse, sem que ninguém se importasse, como uma mosca que cai na sopa e morre afogada imperceptívelmente. Adeus mosca. Adeus padeiro. Da tua mão nunca mais sairá pão.

1 comentário:

Anónimo disse...

O arroz de cabidela é feito com sangue. Acho uma boa ideia pão de cabidela. Gosto de gambas :)